#CearádeAtitudeEspecial – Ruth Cavalcante: O protagonismo feminino na luta contra a ditadura
26 de agosto de 2016 - 22:12
Presa no Congresso da UNE em 1968, Ruth Cavalcante fugiu da cadeia, viveu na clandestinidade por quatro anos e assistiu de perto ao golpe militar no Chile. A sua trajetória é contada na última matéria da série Ceará de Atitude, que neste mês da anistia, trouxe quatro personagens cearenses que lutaram contra a ditadura militar no Brasil. Às 22h de hoje, a TVC vai exibir o último mini-documentário do especial “Memória e Verdade”. A produção é uma parceria da Coordenadoria de Imprensa da Casa Civil e da Coordenadoria de Direitos Humanos, do Governo do Ceará, com a TVC
“O antigo povoado de Nossa Senhora das Dores viveu no anonimato até 68, quando de repente pulou para a primeira página dos jornais. Na chuvosa manhã de sábado, 12 de outubro de 68, a polícia invadiu o sítio Murundu, nas imediações da cidade, e prendeu um número de estudantes que varia, conforme a fonte, de 750 a mais de 1500, pondo fim ao XXX Congresso da UNE que ali se realizava – e ao sonho estudantil”. Zuenir Ventura, em seu “1968 – O ano que não terminou”, narra o episódio que resultou na prisão das principais lideranças do movimento estudantil da época, em Ibiúna, interior de São Paulo. A psicopedagoga Ruth Cavalcante, hoje com 73 anos, era um dos 30 cearenses que estavam no Congresso da União Nacional dos Estudantes. Desses, 10 foram enquadrados na Lei de Segurança Nacional. Ela foi uma delas. A única mulher. “Todos foram presos. Andamos mais de 12 quilômetros a pé. Fiquei uma semana no presídio Tiradentes, em São Paulo”, conta.
Ela, que começou a militância na Juventude Estudantil Católica (JEC), em 1966, e fazia parte do Movimento de Educação de Base (MEB), era a representante da organização Ação Popular no Diretório Central dos Estudantes (DCE), da Universidade Federal do Ceará (UFC). “Em março de 68, um general da 10a Região Militar foi convidado para a aula inaugural. O DCE se manifestou e os alunos se retiraram. Foi muito grave, ficamos quatro meses sem funcionar. 1968 foi um ano muito difícil. Teve a passeata dos 100 mil no Rio e, aqui, 20 mil foram às ruas, quando Fortaleza tinha uma população de menos de um milhão”, lembra.
Aquele também seria o ano do mais restritivo dos Atos Institucionais: o AI-5. “Com o AI-5, a orientação era de não dormir em casa. Mas fui dar aula normalmente e a polícia já estava lá. Fui levada para o quartel que tinha na Floriano Peixoto. Como não tinha prisão para mulheres e eles não podiam colocar com as presas comuns, fui para o Hospital da Polícia Militar (hoje Hospital José Martiniano de Alencar)”.
Lá, Ruth começou a estudar as possibilidades de fuga. Pediu autorização para fazer um curso, mas foi negado. “Eu queria conhecer o hospital. O meu advogado me alertou sobre os riscos, inclusive o de morte. Mas eu queria tentar”. Presa há quatro meses, ela programou a fuga para o dia do aniversário: 16 de abril. “Tive de antecipar os planos porque existia a possibilidade de ser transferida para São Paulo. Na hora da visita, no dia 14 de abril, dois amigos e três irmãs estavam lá. Coloquei uma peruca e uma roupa trazida pelas minhas irmãs e saí com os dois amigos. Minhas irmãs ficaram e ligaram o chuveiro. Na hora de sair, se misturaram às visitas. Ninguém notou. Cerca de 30 pessoas sabiam dessa fuga e ninguém disse nada. Fiquei mais de um mês em um sítio em Recife e fiquei quatro anos na clandestinidade entre o Rio e São Paulo”, conta.
“A democracia é um valor universal,
mas não é um valor permanente.
Devemos estar sempre atentos”.
No início de 1973, foi para o Chile com documentos falsos. No entanto, meses depois, em 11 de setembro, o presidente Salvador Allende seria deposto por mais um golpe militar na América do Sul. O governo de Augusto Pinochet faria Ruth Cavalcante fugir novamente. “Com o golpe, houve perseguição a todos os estrangeiros. Consegui refúgio na Cruz Vermelha e pedi asilo a vários países, França, Inglaterra, mas nenhum me aceitava. Eu era perigosíssima para eles por causa da fuga. Mas a Lei de Anistia da Alemanha Oriental oferecia passaporte e bolsa de estudos e fomos, eu e meu marido”.
Em 28 de agosto de 1979, foi decretada a Lei da Anistia no Brasil e eles puderam voltar. “Não era só a volta do irmão do Henfil, era a volta de todos nós”, diz, referindo-se à música “O bêbado e a equilibrista”, de João Bosco e Aldir Blanc, um hino do movimento pela anistia.
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26.08.2016
Wania Caldas
Gestora de Célula / Conteúdo
Fotos: José Wagner / Governo do Ceará