Medalha da Abolição: Valton de Miranda Leitão e Alemberg Quindins
24 de março de 2017 - 13:00 #alemberg quindins #Governo do Ceará #Medalha da Abolição #valton de miranda leitão
A cerimônia está marcada para as 17 horas de sábado, no Centro de Eventos do Ceará
A Coordenadoria de Comunicação do Governo do Ceará publica, até amanhã (25), os perfis dos seis agraciados com a Medalha da Abolição 2016/2017. Ontem (23), foi a vez de Ciro Gomes e Napoleão Nunes Maia Filho, e, hoje (24), conheceremos as trajetórias de Valton de Miranda Leitão e de Francisco Alemberg de Souza Lima, o Alemberg Quindins. A cerimônia está marcada para as 17 horas de sábado, no Centro de Eventos do Ceará.
A medalha será concedida a Ciro Ferreira Gomes, Napoleão Nunes Maia Filho, Carlos Francisco Ribeiro Jereissati, Luiza de Teodoro Vieira, Valton de Miranda Leitão e Francisco Alemberg de Souza Lima (Alemberg Quindins).
Valton Miranda Leitão
Valton Miranda Leitão nasceu em Teresina, Piauí, mas se mudou para Fortaleza ainda criança. Tornou-se médico pela Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Ceará em 1966.
A formação em Psiquiatria e Psicoterapia Psicanalítica foi realizada na Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Durante a vida universitária integrou-se ao movimento estudantil, transformando-se em militante de esquerda socialista respeitado.
Ao longo dos anos da Ditadura Militar lutou clandestinamente contra o regime, participando de várias organizações políticas. A produção no âmbito da psicanálise procura vincular a compreensão psicanalítica ao entendimento do fenômeno político e da cultura.
Recebeu vários títulos, tais como o de Cidadão Cearense outorgado pela Assembleia Legislativa do Estado, a Medalha Boticário Ferreira concedida pela Câmara Municipal de Fortaleza, a Medalha Renascença pelo Governo do Estado do Piauí, o título de Doutor Honoris Causa pela Universidade Federal do Ceará e é membro honorário da Academia Cearense de Medicina.
Integra o Grupo de Estudos Psicanalíticos de Fortaleza, filiado à Associação Internacional de Psicanálise (Londres), e coordena a Escola de Psicoterapia Psicanalítica de Fortaleza, integrada ao Grupo Educacional Farias Brito.
Ao longo dos últimos vinte anos, como psicanalista e militante político, escreve com regularidade para a imprensa local, em que predomina a postura crítica e a análise ensaística do fenômeno psicológico humano.
O senhor nasceu no Piauí mas se radicou no Ceará. Como se deu sua ligação com o Estado?
Nasci no dia 10 de novembro de 1939. Vim para o Ceará ainda menino. Aos oito anos, minha família decidiu me internar no antigo Colégio Cearense. Foram sete anos no internato. Foi meu “batismo de cearensidade”. Eles passaram um período morando em Natal e quando meu pai voltou a morar em Fortaleza eu já tinha 15 anos. Decidi que não queria mais ficar no colégio interno, foi uma experiência penosa, mas bem construtiva. Inclusive tenho dois romances que falam dessa trajetória. Depois fui para o Colégio São João, onde fiz o que chamavam na época de ginasial. Éramos jovens, tínhamos muitos amigos que depois viraram professores, um deles foi o ex-governador Beni Veras, outro foi o professor Odilon Braveza. Muito do que aprendi devo a meu tempo lá também. Sempre fui um garoto rebelde, difícil de conter, até por isso meus pais resolveram me colocar no internato. Fui me tornando um líder entre meus colegas até entrar na faculdade de Medicina.
O senhor tem uma militância ligada ao socialismo e se formou pela Medicina da UFC num momento turbulento, em 1966. Como foi esse período para o senhor?
Sempre andei entre militantes, passei por todos os partidos de esquerda, PT, PC do B, fui um dos fundadores PSB. Fui presidente do diretório acadêmico, do Diretório Central dos Estudantes, quando veio o golpe militar. Vieram a perseguir todos nós, fui preso umas duas vezes. Por força da influência dos meus tios e parentes que são generais ligados às forças armadas, fui solto e me casei com a irmã de um dos meus colegas, Vanda Magalhães Leitão, professora da UFC, com quem estou até hoje. Por todo esse processo, me tornei um líder de esquerda, escrevi livros sobre Psicanálise Política, pois me especializei em Psiquiatria depois que me formei. Ainda durante a faculdade, fui ficando cego. Me chamaram para tentar resolver essa questão da visão fazendo um tratamento na Tchecoslováquia. Passei um tempo no leste europeu. Em Moscou, fiz um discurso num auditório e o embaixador do Brasil disse para mim: “quando voltar ao Brasil você será é preso”. Ele simpatizou comigo, mas mandou queimar o arquivo da gravação do discurso. Foi um processo interessante, toda uma caminhada. Sempre estive na esquerda, sempre soube meu lado, estive com Luís Carlos Prestes, Miguel Arrais, entre outros.
No senso comum ainda impera, para muitas pessoas, a ideia de que a Psicologia, a Psiquiatria ou a Psicoterapia são questões menores. Qual a sua avaliação sobre a importância desses ciências para o desenvolvimento da sociedade?
Com o capitalismo de consumo, criou-se uma imagem de que a doença só existe quando se manifesta fisicamente. A maioria das pessoas estão doentes é da mente, não do corpo. Por força da venda, a ideia duma pílula salvadora é necessária para o mercado. Quanto mais se disser que não existem doenças psicossomáticas, melhor para os laboratórios, para a medicina tradicional, porque quer vender remédio. Tudo é uma gigantesca engrenagem em que o mercado produz os seus fetiches para vender e lucrar. O lucro se coloca acima das pessoas. Então temos que lutar contra a maré. Sabemos que essas coisas não podem ser resolvidas por esse caminho. Não vamos melhorar enquanto não tivermos uma compreensão humana da sociedade, que a patologia social não vai ser resolvida por uma pílula, que ela não é derivada do egoísmo do homem com a tendência do mercado de se apossar de tudo.
Há convivência pacífica do capitalismo com a mente humana?
É uma questão difícil, espinhosa. Sempre agi com firmeza e coerência. Não faço concessões. Sou capaz de dialogar até com o cão, mas se ele disser que tenho que fazer uma viagem ao inferno, ele que vá só, não estou disposto a isso. Temos que aprender a lidar com um mundo tomado pelo egoísmo, egocentrismo, com o desejo de fazer o patrimônio crescer até o infinito. Não entendo porque uma pessoa precisa acumular tanto dinheiro. No Brasil, há 46 ultrabilionários e uns 200 mil milionários, e é essa gente que manda no país. Não consigo entender essa concentração de renda. É esse tipo de situação que me fez uma pessoa rebelde desde pequeno. Rompi com uma família tradicional rica no Piauí. Eu convivo bem com eles, mas eles nem me chamam para discussão pois sabem o quanto sou honesto. Me considero um rebelde que se tornou psicanalista e uso a Psicanálise para compreender a política. Acho que a luta social no mundo vai e tem que continuar.
O que é ser agraciado com a Medalha da Abolição?
Creio que eu mereço porque não devo nada a ninguém, além das amizades, claro. Sei o que é o Ceará, a bravura do cearense, a história do Dragão do Mar, de Bárbara de Alencar, dos grandes escritores cearenses. Esse processo é porque sou um abolicionista por natureza, quero abolir a pobreza, a desigualdade. Por isso acredito que a medalha é algo muito valiosa, assim como já recebi a medalha Renascença, do Piauí. Acho que ela representa muito para mim, pois o Ceará é um celeiro de talentos. Quando fui estudar Psiquiatria e Psicanálise no sul do país, os gaúchos perguntavam se eu tinha lordose, mas eu dizia que não, eu andava de pescoço empinado é porque eu merecia. A Medalha da Abolição é tudo isso junto, essa produção de talentos, que tem a capacidade de questionar. Cearense é esse indivíduo que para onde vai se torna um astro do teatro, como Aderbal Freire, é essa figura que desafia as próprias habilidades, enfrenta a seca, é um jangadeiro.
O que o Ceará representa para você?
Não só fiquei no Ceará como passei a ter uma relação de amor com o Ceará. Acho que o cearense tem a cearensidade, expressão que conheci com o querido Djacir Menezes, que é a própria natureza revolucionária. A geografia brasileira, como foi bem definida por Capistrano de Abreu, é um exemplo de cearensidade, como os que lutaram na Confederação do Equador.
Alemberg Quindins
Desde 1992, Francisco Alemberg de Souza Lima, o Alemberg Quindins, “realiza pessoas”. O músico, historiador, escritor, produtor cultural, entre tantos outros afazeres, “sonha e conta lendas” ao mesmo passo em que constrói, em Nova Olinda, no sertão nordestino, um renomado projeto educacional: a Fundação Casa Grande – Memorial do Homem Kariri.
Nos últimos 25 anos, o cratense de 52 anos – tendo ao lado a esposa Rosiane Limaverde, antropóloga – mudou a vida de gerações e se tornou referência internacional em pedagogia e arte-educação. O reconhecimento vem agora através da Medalha da Abolição, principal honraria do Estado do Ceará, que ele recebe no próximo sábado, em Fortaleza.
A seguir, conheça um pouco desse personagem único, que chegou a inspirar a construção de um outro, fictício… o mítico Xicó, no filme “O Auto da Compadecida”, de 2000.
Quem era o Alemberg pré-Casa Grande? De onde veio a inspiração para constituir a Fundação Casa Grande?
Faço isso desde minha infância. Quando criança tinha uma bandinha de lata, uma editora de revista em quadrinhos, cinema de sombras e produzia revistas desportivas aonde era o repórter dos campinhos de várzea. Em 1983 encontrei uma menina que era igual a mim (Rosiane Limaverde, esposa, antropóloga, recentemente falecida) e resolvemos nos unir para fazermos juntos. Daí surgiu a Fundação Casa Grande para reunir meninos e meninas que pensam igual à gente.
Você inspirou o diretor Guel Arraes na composição do personagem Xicó para a filmagem de “O Auto da Compadecida”. Como isso se deu?
Quem me apresentou Guel foi sua tia e minha amiga Violeta Arraes. Guel estava procurando local para set de filmagem e construindo os personagens que os atores iriam fazer. A forma d’eu contar minhas histórias e a risada, definiram o personagem Xicó… Eles diziam que minha risada parecia a relinchada de um jumento (risos). Mas quando eu era menino, lá no sertão goiano, onde me criei, meu apelido era Jumento do Ceará! (risos).
Você é um entusiasta da arte-educação, quais os benefícios dessa prática?
Sim. A cultura deve ser a fonte básica da formação educacional. Essa é a vocação brasileira. A qualidade do conteúdo deve ser o foco, e a infância a meta.
O Cariri é uma região que respira tradição e cultura, que acaba contribuindo para a consolidação de um projeto como a Fundação Casa Grande. Uma iniciativa como esta teria sucesso em outras regiões?
O Cariri é um território que foi geopoliticamente divido por quatro estados: Ceará, Pernambuco, Paraíba e Piauí. Nós, “kariri”, somos um povo que cultivamos o imaginário se expressando de forma cultural. Qualquer lugar que reconhecer em seu relevo as linhas de sua história, desenhará a forma original e autentica de seus fazeres.
Sobre a Medalha da Abolição, qual é o seu sentimento ao ser agraciado com esta comenda?
Sinto uma alegria e uma gratidão por esse reconhecimento. Uma alegria, porque levo até ela o sorriso das crianças do sertão brasileiro. Uma gratidão porque recebo dela o incentivo de que devamos continuar construindo brasileiros a partir de sua infância.
Você é músico, historiador, escritor, produtor cultural, pesquisador e tem um trabalho pedagógico admirável, como você se define?
Eu sonho e conto lendas. Só isso!
Você se considera uma pessoa realizada?
Minha preocupação é em realizar pessoas!
24.03.2017
Thiago Sampaio e Ciro Câmara
Repórter/Célula de Reportagem e gestor de Célula/Secretarias
Foto Valton Miranda Leitão: Tiago Stille
Foto Alemberg Quindins: Hélio Filho
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