#CearádeAtitude: Marigésio, o ex-jogador que ressocializa jovens com a bola
26 de julho de 2017 - 16:24 #Ceará de Atitude #Esporte #Futebol #ressocialização
André Victor Rodrigues - Repórter / Célula de Reportagem
Marcos Studart e Davi Pinheiro - Fotografia / Governo do Ceará
Neste mês de julho, a série especial Ceará de Atitude conta a história do ex-jogador de futebol Marigésio Carvalho, há 12 anos responsável por trabalho de ressocialização de jovens pelo esporte
A razão de existir do Sistema Estadual de Atendimento Socioeducativo reside em trabalhar na mudança de rumo para a vida de jovens que um dia cometeram ato infracional. No Ceará, o ex-jogador de futebol Marigésio Carvalho utiliza dos conhecimentos de educador físico, além da experiência acumulada entre campo e vida, para cumprir essa missão. Há mais de 12 anos, o cearense treina equipes de futsal e futebol formadas por garotos sob medidas socioeducativas. E leva consigo o testemunho de que o esporte é ferramenta eficaz de ressocialização.
De segunda-feira a sábado, o empenho do técnico se distribui por três unidades socioeducativas em Fortaleza: o Centro Educacional Patativa do Assaré (Cepa), o Centro Socioeducativo do Canindezinho e o Centro Educacional Dom Aluísio Lorscheider (Cecal). Marigésio é responsável por orientar em média 200 adolescentes e jovens – na faixa etária de 12 a 21 anos – nas atividades físicas. Sempre com um apito em mãos, treina os seus alunos para que tenham maior êxito com a bola nos pés. Mas não sem oferecer, juntamente, conselhos sobre a vida e compartilhar projeções de um futuro melhor.
“Eu vejo em todos esses meninos algo diferente. Muita gente critica o fato deles terem cometido um ato infracional. Eu já penso de outra maneira. Se nós dermos espaços para os jovens ocuparem, eles se sentem felizes. Eu os trato não como jovens infratores, trato como atletas. Assim a gente faz aqui um trabalho não só de transformação social, mas também de rendimento, de autonomia e de dar a eles uma cultura social que consiste em amar ao próximo e respeitá-lo”, defende o professor.
O desejo de ter a trajetória ligada ao social foi nutrido por Marigésio desde os tempos em que defendia clubes no futebol profissional, entre os anos 1990 e 2000, quando vestiu camisas de times do futebol brasileiro e europeu (Portugal). Ele conta que, ao identificar que poucos tinham a oportunidade da qual estava desfrutando, viu despertar a motivação para tentar ajudar as novas gerações na sua terra natal, a capital cearense.
“Eu saí para conhecer o mundo lá fora, e vi que o esporte poderia me dar a oportunidade de ajudar alguém. Dizia para minha mãe que ia fazer um trabalho para mudar a vida de outras pessoas. Quando me aposentei, construí um projeto, onde tinham centenas de crianças inscritas, desde o Sub-9 ao Adulto. Desse trabalho, surgiram convites que me fizeram começar a trabalhar com esses jovens para o retorno à sociedade, nos centros socioeducativos”, explica.
Relação de confiança
As lições e o amor passados pelo pai durante infância e juventude, relata o educador físico, representaram a criação da base para que hoje ele alcançasse sucesso na hora de lidar com os garotos que cumprem medidas socioeducativas no sistema estadual. Entre sermões e afagos, Marigésio preza pela atenção despida de preconceitos para alcançar o sucesso na ressocialização da maioria de seus jogadores. O sucesso da estratégia é visto quando meninos chegam à quadra e o chamam de ‘Pai Gésio’, obedecendo-o e escutando-o a cada orientação recebida.
“Eles confiam em mim. Porque eu trato todos como iguais a nós. Comigo não tem diferença. Pouco importa o que eles fizeram lá fora. Aqui dentro a palavra-chave é respeito com todos. Nós temos vários momentos bonitos, como também temos intervenções. Quando está acontecendo algo errado, quando alguns deles começam a discutir, a gente intervê e eles mesmos procuram se acertar. Procuro ensiná-los que, se não existir o respeito entre eles, não vai existir o respeito lá fora. Esse é o nosso maior trabalho aqui”, expõe.
Para além do respeito, Marigésio também acaba por despertar nos jovens com quem trabalha a admiração e o carinho. O educador sentiu este resultado no final do último mês de junho, na cerimônia de encerramento da Olimpíada Socioeducativa do Ceará. Ao receber a premiação de segundo colocado no futebol, o time inteiro do Cepa entregou suas medalhas para o treinador em sinal de gratidão pelas semanas de dedicação nas atividades esportivas. “Eu fiquei muito feliz quando eles fizeram a homenagem, porque realmente não esperava aquilo. Eu vi ali que realmente eles reconhecem o meu trabalho e o carinho que tenho por cada um deles”.
A real recompensa
Apesar de diariamente tratá-los como atletas, o educador garante que não realiza o trabalho com o objetivo de garimpar novos talentos da bola. Ele acredita que, acima novos representantes do esporte em categoria profissional, está a orientação de novos cidadãos para a sociedade cearense. “Muitos deles viram a oportunidade de sair desse mundo do crime. Sou feliz por isso”, comemora.
Depois de mais de uma década trabalhando na recuperação dos socioeducandos, o fortalezense revela que já se emocionou por diversas vezes ao reencontrar ex-alunos em liberdade. Recebe deles sempre um forte abraço e o agradecimento. “Eu fico besta com tudo isso, realmente me emociona. E a gente recebe isso só porque tratamos eles da forma que eles precisam”.
Perguntado sobre qual mensagem poderia deixar para quem passou a acompanhar um pouco de sua história, o ex-jogador não titubeia: espera contagiar mais pessoas com a disposição de trabalhar na ressocialização de jovens. “Se a gente tirar um tempinho para ajudar alguém que precisa, a gente transforma vidas. Podemos fazer desse tempinho um tudo para uma pessoa. Essa é a mensagem. O sonhar nunca pode acabar, é contínuo. Esses meninos todos têm sonhos. E eu também tenho: vê-los voltar à sociedade”, finaliza.
Seas e programas para o esporte
Criada em junho de 2016, a Superintendência do Sistema Estadual de Atendimento Socioeducativo é gestora desde então das unidades socioeducativas do Estado do Ceará, coordenando e executando políticas destinadas ao atendimento de adolescentes e jovens apreendidos após atos infracionais e direcionados a internações provisórias, semiliberdade ou internação.
Dentro do trabalho tocado pela Seas, o esporte tem sido sempre presente. Cerca de 240 adolescentes participaram da Olimpíada Socioeducativa no Ceará, para disputas nas modalidades futsal, futebol society, tênis de mesa e xadrez – participação de equipes femininas e masculinas.
Ao final da competição do sistema estadual, o Governo do Ceará lançou Programa “Esporte Gera Ação”, que tem como objetivo ampliar os bons exemplos de ressocialização através de atividades esportivas regulares dentro dos centros do Sistema Socioeducativo. A política pública envolverá parcerias com mais de 15 federações esportivas que atuam no Estado, colocando o Esporte como parte do processo educacional e social.
Veja o vídeo: