O acesso à educação de pessoas trans e travestis é a luta diária da cearense Syssa Monteiro
22 de setembro de 2017 - 15:35 #educação #inclusão #transexuais #transpassando #travestis #Uece
Caio Faheina - Repórter
Davi Pinheiro - Fotógrafo
Neste mês de setembro, a série especial Ceará de Atitude mostra o empenho de Syssa Monteiro, uma das criadoras do curso de extensão Transpassando. Sediado no Centro de Humanidades da Universidade Estadual do Ceará (Uece), o programa se mostra mais que um cursinho preparatório para transexuais e travestis
A educação é uma forte frente de combate à violência contra transexuais e travestis. E é por esse caminho que Syssa Monteiro, de 25 anos, tenta afastar quaisquer comportamentos transfóbicos. Mulher trans e cearense, Syssa é uma das criadoras do curso de extensão Transpassando, primeiro projeto acadêmico do País voltado para quem não se reconhece no “corpo de nascença”. Funcionando há dois anos no Centro de Humanidades da Universidade Estadual do Ceará (Uece), o programa, autogerido por um coletivo, não se reduz somente à inclusão desse público no Ensino Superior.
“Não é um cursinho em si. Vai além: é um programa de combate à transfobia”, argumenta a coordenadora. E continua: “A gente não trabalha nessa vertente de inclusão porque se parte do pressuposto de que é de direito de qualquer pessoa habitar aquele espaço. Então, o curso se construiu como um programa para combater toda a discriminação a pessoas trans dentro e fora da universidade”.
Para saber da relevância do projeto, ela indica, basta visualizar o quantitativo dessa população nas universidades e ruas. “Levando em consideração alguns dados referentes a pessoas trans e travestis no Brasil, em que 90% estão na prostituição e 82% não concluíram o Ensino Médio, e como tive oportunidade de frequentar locais que historicamente não são habitados por esse público, passei a ter a necessidade de incluir essas pessoas de alguma forma”, relata Syssa, que é formada em Filosofia pela Universidade Federal do Ceará (UFC). Nesses dois últimos anos, ela contabiliza que 50 pessoas tiveram acesso ao projeto.
Como curso de extensão, representado institucionalmente pela professora Ilana Viana Amaral, as alunas e os alunos do programa têm livre acesso aos equipamentos da Uece, como salas de aula, laboratórios de informática, biblioteca e quadra. Mas esse trânsito de pessoas plurais, conta Syssa, num espaço onde antes era incomum encontrar corpos em constantes modificações, trouxe desafios. Ser mulher em carne masculina, por exemplo, faz com que a utilização de espaços como o banheiro atraia olhares por vezes ofensivos.
Ela lembra que, no início, as estudantes cisgênero (aquelas que se identificam com o seu gênero de nascença, em todos os aspectos) resistiram à entrada de trans e travestis nos banheiros femininos. “Tivemos de organizar todo um processo de conscientização, de debates, para que as alunas pudessem respeitar, ver que era de direito delas (trans e travestis) fazer o uso do banheiro conforme a identidade de gênero”, sustenta.
Conquistas
Syssa, que se divide entre o Transpassando e as atividades na Célula de Diversidade e Acessibilidade da Coordenadoria de Proteção Social Básica, da Secretaria do Trabalho e Desenvolvimento Social (STDS), destaca os direitos garantidos ao longo desses anos de resistência. “Além do uso adequado dos banheiros, os alunos recebem a carteirinha de estudante com o nome social; na chamada também tem o nome social”, enumera. “Eles estão lá com pessoas pertencentes ao mesmo público. Então, é um espaço onde não vão sofrer constrangimento, como acontece nos espaços não-trans”, emenda.
As conquistas, Syssa acrescenta, também são refletidas na entrada dessas pessoas em universidades públicas, privadas ou na conclusão da escolarização média por meio do Exame Nacional de Ensino Médio (Enem), como aconteceu com a colega Kyara. “Ela veio de Morada Nova, fez o cursinho do Transpassando, conseguiu a escolarização média e hoje está cursando Letras”, sorri a coordenadora. Sinal de um trabalho necessário.
“Não tem sensação melhor do que você se olhar no espelho e se reconhecer, né? Independente da singularidade de cada pessoa, o importante é respeitar. E o projeto vem com essa relevância social tremenda, principalmente com essas questões atuais”, ensina Syssa.
Ela relembra, ainda, conquistas do Governo do Ceará neste ano que beneficiam essa parcela da população LGBT, como o ambulatório transexualizador, o atendimento de mulheres trans e travestis na Delegacia da Mulher, o decreto do uso do nome social nos documentos do Estado, além do Plano Estadual LGBT. “São conquistas de políticas públicas efetivas pra tentar melhorar a vida dessa população, historicamente marginalizada. E a gente nada mais quer que equidade de direitos”, finaliza.
Saiba mais
O curso Transpassando é gratuito e também acolhe, além de transexuais e travestis, gays, lésbicas, bissexuais e pessoas que se enquadrem em outras identidades de gênero ou tenham a sexualidade distinta da padrão (heteronormatividade). O corpo docente é formado por professores voluntários da própria Uece ou de outras instituições, além de alunos que já ingressaram no Ensino Superior.
O curso funciona das 14h às 18h30, de segunda a sexta-feira, no Centro de Humanidades da Uece, na avenida Luciano Carneiro, 345.
Mais detalhes podem ser conferidos na página oficial do Transpassando