Maracatu cearense: o ritmo e o brilho do patrimônio imaterial do nosso carnaval
1 de março de 2019 - 16:43 #Ceará #cultura #desfile #maracatu #patrimônio imaterial
André Victor Rodrigues - Repórter
Davi Pinheiro e Tiago Stille - Fotos
Quando o baque ressoa e a vista se enche das cores vivas, plumagens e brilhos na avenida, é o maracatu que se anuncia na graciosidade do cortejo. Uma das tradições no Carnaval do Ceará, a manifestação cultural traz consigo a exaltação a ancestralidade negra, seja através da reverência a entidades de religiões de matriz africanas ou pela dança dramática carregada de simbologismos e histórias seculares.
Desde a década de 1930 em desenvolvimento no Estado, o maracatu ganhou ares cearenses a partir da popularização de agremiações carnavalescas dedicadas a difundir a estética e a rítmica dentro do circuito de carnaval na cidade de Fortaleza. Ao longo dos anos, a história de famílias cearenses dentro dos blocos fortaleceram o vínculo dos foliões com a imagem tradicional dos tambores, ferros, chocalhos e gonguês das caras pintadas de negrume.
Em 2015, após tantos carnavais, o maracatu se tornou patrimônio imaterial de Fortaleza. Sinal da resistência e dimensão cultural gigantescas traçadas pela prática na Capital. No sábado (2) e no domingo (3) de Carnaval, a Avenida Domingos Olímpio, em Fortaleza, reservará mais uma vez programação especial para que diversos grupos de rua mostrem ao público as suas temáticas preparadas com muito capricho, visual e musical. Sempre seguindo e respeitando a tradição de ritos característicos do manifesto.
A preparação para a avenida
Logo que se encerra um ciclo carnavalesco, os grupos de maracatu já iniciam o planejamento para o ano seguinte. E a partir daí, muito trabalho é demandado para os que fazem, por amor à tradição, a alegria dos foliões com novas fantasias e novos sons a serem cantados.
Presidente da Nação Baobab, Janaína Severo – conhecida como “Mãe Janaína” – pode ser encontrada por quem adentra a sede do bloco no bairro Bela Vista, em Fortaleza. Linhas de costura, estampas, coroas, estandartes estendidos, alegorias em confecção. Ela e a centena de apoiadores que fazem o maracatu na localidade abraçam uma tradição de mais de duas décadas do Baobab para fazer, a cada ano, uma exibição digna à memória dos antigos.
“O nosso maracatu aqui foi criado com a intenção de manter o maracatu de baque virado, de uma visibilidade completamente africana, diferentemente do mais tradicional baque do lamento, ritmos mais lentos. A origem da manifestação é africana. Quando o maracatu começou em Fortaleza, geralmente era conduzido por marchantes, por homens. Mas aí foram os primeiros brincantes. Hoje há diversidade, com mulheres rainhas, vasta ala de índias, negras, baianas”, destaca Janaína.
Ela explica que tudo é preparado com muito esmero, no Baobab por mais de 200 pessoas que se envolvem diretamente. Mas o “ápice do espetáculo é a entrada do rei e da rainha”.
Janaína também fala de outras peças que exigem cuidado e trabalho para que saiam em perfeição. Tem a figura do balaio de frutas, que vem propagando a fartura, da negra que colhia na roça vestida com sua roupa rendada de estampado. Também a da calunga, que significa todo o fundamento do maracatu. A boneca com indumentárias, o babalotim”, exemplifica.
Todos os anos, é escolhido pelos blocos de maracatu um tema, com loa (composição) que apresenta cada elemento a ser desenvolvido na estética do maracatu pelos organizadores dos desfile. Assim, é feito um trabalho conjunto entre músicos, carnavalesco, costureiras, personagens do cortejo.
Neste ano, Janaína conta que o tema da Nação Baobab é “Mãe África”. “A gente preparou tudo para louvar os nossos ancestrais e lembrar quais são as origens do maracatu. De onde tudo vem.”
Conheça mais sobre o maracatu
– O cortejo do maracatu segue ordem de personagens definida como um roteiro: primeiro surge a baliza na abertura, entoando o cântico e chamando o porta-estandarte, que por sua vez, carregando o estandarte, dá o ritmo da passada e anuncia o início do espetáculo. Após este prólogo, adentram a avenida em sequência os porta-lampiões, os índios da comunidade, as negras, as baianas, as negras da calunga e do incenso (cheiro), o balaio, os pretos velhos, até chegar o grande momento do desfile real da corte, com príncipe, princesa, rainha e rei.
– As roupas no maracatu tradicionalmente apresentam muita palha, plumagem, penas, búzios, estampas africanas zebradas e de onça. Há estruturas sempre preservadas esteticamente pelos cortejos. As baianas, por exemplo, com suas saias estampadas ou brancas, volumosas e rodadas, espalhando energia. Ou a rainha, cercada de glamour e com bordado do vestido aplicado a mão.
– O negrume é a marca que mais chama aos olhos do público quando se fala na apresentação dos grupos de maracatu. A prática de pintar o rosto de preto representa o culto à ancestralidade, lembrar da origem do povo negro, dos nativos africanos, dos índios brasileiros, negras e baianas. É cultuar a tradição e a afirmação do povo por entre séculos.
– A pintura do negrume é feita da mistura de fuligem, óleo infantil, talco e vaselina.
– Em atividade no Ceará estão até hoje grupos tradicionais como: Az de Ouro, Rei de Paus, Vozes da África, Nação Baobab, Rei Zumbi, Nação Iracema, Kizomba e Nação Fortaleza.
Veja a programação do Carnaval 2019 na Capital e no Interior