Telefonista deficiente visual cria filha adotiva com exemplos de amor e independência
10 de maio de 2019 - 15:42 #adoção #deficiência visual #dia das mães #especial #filha #mãe
André Victor Rodrigues - texto
Marcos Studart - Fotos
Vandineide Rodrigues, 49, adotou Hellen Rodrigues, 16, ainda recém-nascida. Deficiente visual, a mãe se preparou para tomar à frente de todos os cuidados maternos desde os primeiros dias de vida de sua filha. Hoje, as duas são melhores e inseparáveis amigas
O significado de “casa” para as duas é quando se encontram no aconchego do abraço e compartilham seus risos. O sentimento único do cuidado ir e vir, uma da outra, repleto de amor e companheirismo. O fluxo de afeto entre mãe e filha. É assim que se constrói diariamente a vida em família de Vandineide Rodrigues, 49, e Hellen Rodrigues, 16. Uma história inspiradora que começou lá atrás, há mais de década, quando a telefonista deficiente visual resolveu adotar para realizar o sonho da maternidade.
Vandineide já nasceu com problemas na visão. Soube que ficaria cega aos seis anos. Natural de Limoeiro do Norte, ela mudou-se para Fortaleza, onde recebeu o diagnóstico de retinose pigmentar (degeneração na retina) e ficou sob os cuidados de uma tia. Sem enxergar ainda criança, a cearense buscou as formas possíveis para estudar, terminar o Ensino Médio e fazer diversos cursos para entrar no mercado de trabalho.
“Minha tia falou que eu não poderia estudar porque era cega. Mas o doutor que me atendia quando criança disse que a cegueira não me impediria de estudar. Isso me fez acreditar. Então fiquei em regime internato para me dedicar aos estudos no Instituto dos Cegos. Fui a colégios convencionais para terminar o Ensino Médio. Depois fiz vários cursos no Instituto dos Cegos. Artesanato, massoterapia, primeiro socorros, bijuteria, telefonista. Também dediquei ao braile para abrir as oportunidades de trabalhar”, conta.
Capacitada, ela entrou por meio de sistema de cotas na secretaria do Palácio da Abolição, onde continua a trabalhar somando 24 anos de serviços prestados. “Comecei aos 25 anos, iniciando na Casa Militar como auxiliar de secretária durante oito anos, até me tornar telefonista”, relembra com orgulho.
Realizada e com estabilidade no emprego, aos 31 anos, bateu à porta de Vandineide mais um passo que queria dar em sua vida: ser mãe. Descobriu que não poderia engravidar pelos meios convencionais. No entanto, vista a sua trajetória de superação até aquele momento, não era isso que a impediria de concretizar o que pedia seu coração. Buscou adoção. Ainda com dois dias de nascida, a pequena Hellen chegou.
“A deficiência visual não foi empecilho para eu ser mãe e profissional. Tudo o que qualquer mulher gosta de fazer e ser, eu consigo. Adotei minha filha com toda a segurança do que estava fazendo. Me preparei muito para ser mãe. Li muita coisa, busquei orientação de profissionais especializados, terapeutas”, recorda a servidora pública. Sem precisar de auxílio externo, Vandineide fez todo o cuidado inicial com o bebê: deu banhos, preparou o leite, colocou para dormir. E assim seguiu por todas as etapas da vida da filha até aqui.
“A minha filha é muito importante na minha vida, assim como eu sou na dela. Ela tem muito orgulho de me ter como mãe. Desde o início, sempre soube que é adotada. Sempre busquei ser amiga dela, tudo a gente conversa. Não proíbo a Hellen de nada. Apenas mostro os prós e os contras. Hoje somos assim, grandes amigas e nos ajudamos sempre, todos os dias.”
Atualmente em conclusão do Ensino Médio, Hellen passa por todas as questões inerentes à juventude. Tentará vestibular para Psicologia. E todas as dúvidas, pensamentos sobre o hoje e acerca dos mistérios do futuro, compartilha com a mãe. “A gente conversa sobre tudo e qualquer coisa. Como somos melhores amigas, temos a liberdade de falarmos uma para a outra das nossas intimidades. Eu conto todos os meus segredos para ela, não escondo nada. Minha mãe sabe tudo que eu faço e vou fazer”, diz a menina.
A criação materna ensinou a adolescente a importância da autonomia e de valorizar as coisas que ama. Hellen conta que a mãe raramente a pede ajuda para realizar as tarefas em casa. “Ela enxerga melhor do que eu”, brinca. “No máximo, ela diz para eu apanhar algo no chão para ela, mexer ali uma panela, lava a louça.”
Com a mãe também aprendeu valores. A detestar mentiras, buscar ser sempre honesta com as pessoas, lutar com seriedade pelos seus objetivos. “Guardo dela um monte de ditados: ‘costume de casa vai à praça’, ‘quem disso usa, disso cuida’, e por aí vai”, enfatiza a filha.
Para os Dias das Mães, a ser comemorado no próximo domingo (12), Vandineide e Hellen seguem somando palavras de gratidão e confiança, confidentes do mesmo amor.