Programa de extensão da Uece beneficia 500 jovens com atividades artísticas, culturais e educativas na Serrinha
4 de junho de 2019 - 15:02 #arte #cultura #educação #extensão #juventude #programa viva a palavra #serrinha #Uece
André Victor Rodrigues - Texto
Davi Pinheiro - Fotos
Por meio da realização de atividades como círculos de leitura, saraus, oficinas de teatro, encontros musicais, jornadas da juventude e cursinho popular, o Viva a Palavra reverbera práticas de letramento crítico para as comunidades do entorno da Uece no Campus do Itaperi
O objetivo de unir esforços para o enfrentamento à violência e colaborar na inclusão social de jovens em condição vulnerável resultou em exemplo bem-sucedido do importante diálogo entre o ambiente universitário e a comunidade. O curso de Letras da Universidade Estadual do Ceará (Uece) desenvolve desde 2014, em parceria com movimentos sociais, artísticos e culturais do bairro Serrinha, em Fortaleza, o programa de extensão “Viva a Palavra: Circuitos de linguagem, paz, resistência e juventude”, na perspectiva de fortalecer práticas de letramento crítico da juventude residente nas comunidades do entorno do Campus do Itaperi, em Fortaleza. Com a realização de círculos de leitura, saraus, oficinas de teatro, aulas de música, oficinas de rap, jornadas da juventude, contação de histórias, cursinho popular, dentre outros projetos que atendem demandas comunitárias, o programa colabora para que centenas de crianças, adolescentes e jovens tenham novas alternativas de futuro e oportunidades. Apenas em 2018, segundo relatório da extensão, cerca de 500 pessoas foram beneficiadas pelas atividades.
A iniciativa surgiu quando a professora do curso de Letras e hoje responsável pela coordenação do Viva a Palavra, Claudiana Nogueira, participou de um fórum de escuta na Uece junto aos movimentos sociais e coletivos culturais da região do campus. Ali teve a chance de ouvir o que eles esperavam a universidade. “Sentimos a necessidade daquele momento para fazer esse trabalho de atravessar a rua. Ali perto do Itaperi temos a Vila Garibaldi, uma comunidade. No momento deles falarem para nós, colocaram a questão da violência contra a juventude”, relata Claudiana. Então veio o despertar para a elaboração do projeto junto à Pró-reitoria de Extensão (Proex) da universidade. “O programa de extensão tem o objetivo de combater o extermínio e exclusão social dos jovens nas periferias. Trabalhamos as práticas de letramento na periferia. Buscamos fortalecer os talentos na comunidade, através da leitura. Tudo é o diálogo entre a universidade e a comunidade.”
A professora explica que letramentos são as práticas sociais realizadas através da escrita e da leitura. Toda a ação social, todo o evento e toda a prática que tem uma relação com escrita e leitura recebe, portanto, esta classificação. “Antigamente tinha uma concepção de que a gente deveria alfabetizar as pessoas. O Brasil vive uma realidade de quase 12 milhões de analfabetos, mas a gente entende que não é só uma questão de aprender habilidade de escrita, de decodificar, de ler. Mas a gente nunca deixa de aprender questões de escrita e leitura. O conceito do letramento vem por entender que nós nos relacionamos com a escrita em todas as ações sociais que nós realizamos. Um jovem que faz rap é uma prática de letramento. Um grafite na comunidade é uma prática de letramento. Temos uma série de eventos onde o letramento está presente”, detalha.
O bairro Serrinha historicamente já é local de luta por melhorias para os seus moradores e de diversas manifestações artísticas e culturais. O “Viva a Palavra” veio para somar forças, ajudando a mobilizar e capacitar jovens em diversos campos de produção e compartilhamento de conhecimentos, trilhando esse caminho sempre com a união cooperativa entre universitários e moradores da localidade. Um centro de troca de saberes. “Trabalhamos nos princípios de Paulo Freire da Educação Popular. Fazendo tudo com círculos de cultura, chamando as pessoas para debater e sempre atender às demandas da comunidade. Não adianta você vir com soluções para problemas na comunidade que você pensou e ela própria não ver aquela necessidade.”
Dentre as principais ações de extensão do programa hoje estão as vivências com cirandas de leitura, as reuniões para contação de história, os cursos de formação continuada em Educação Popular e Aprendizagem Cooperativa, o Cursinho Popular Viva a Palavra, atividades junto às bibliotecas livres em Fortaleza, além de reuniões de planejamento com participação ativa dos membros de associações e movimentos da Serrinha. No total são 36 oficinas. As atividades do programa ocorrem na Associação de Bairros e Moradores do Bairro da Serrinha (Amorbase), na Praça da Cruz Grande, na Escola Jader Moreira de Carvalho e no Instituto Giuliana Galli.
“Aqui na Serrinha você tem jovens bem ativistas neste campo da arte. Também tem estudantes que fizeram das suas casas bibliotecas abertas para as pessoas do bairro, por exemplo. A Amorbase tem uma história de luta muito grande. Faziam aqui uma creche e também tentaram o cursinho popular antes de existir o programa. Por falta de recursos, não conseguiram manter. Quando a gente chegou com o Viva a Palavra, convidamos vários movimentos sociais para pensar as ações do projeto. Dentro do nosso programa você tem círculos de leitura tocados por eles mesmos hoje. São jovens envolvidos em torno de livros, com processo de mediação de leitura. A gente vê essa participação crescente”, avalia a coordenadora Claudiane.
Cursinho Popular
Por demanda da própria comunidade, o “Viva a Palavra” passou a ofertar em março do ano passado um cursinho popular 100% gratuito, voltado especialmente para as famílias que não podem arcar com nenhum preparatório pré-vestibular. Atendendo pessoas de todas as idades, a atividade funciona nos moldes da aprendizagem cooperativa, método de estudo em grupos que consiste em um integrante ajudar o outro a cumprir metas coletivas de aprendizado. Os alunos podem ser por ora alunos, mas noutro momento serão os professores.
“A aprendizagem cooperativa é o ideal. Os alunos são no momento alunos, mas em outro momento eles serão os professores. Você tem, por exemplo, um aluno que é bom em Química. Ele vai ajudar os outros em química. Outro tem habilidade em Português, aí esse vai assumir o posto de ajuda. Nela se trabalha a questão do relacionamento pessoal, da interação face a face, porque você sempre está num grupo, e eu acho que um dos principais é a interdependência positiva. O grupo decide os papeis de cada um e fazem acordos, como não olhar o celular, olhar o celular só para pesquisar, por aí vai. Também são estabelecidas metas do grupo. Por exemplo, estamos fazendo a produção de um texto. A meta é escrever um parágrafo. Se eu terminei o meu e você não, eu vou te ajudar, porque o grupo só atinge a meta quando todos fizerem aquele parágrafo. Isso desenvolve a solidariedade”, argumenta Claudiane Nogueira.
No curto período em que está em funcionamento, a aprendizagem cooperativa do cursinho já ajudou na aprovação de jovens da comunidade no vestibular da Universidade Estadual do Ceará. Um deles é Jean Pereira Rodrigues, 25, que hoje está no 1º semestre do curso de Pedagogia. Para ele, participar do cursinho popular trouxe nova concepção do que é ensino e aprendizagem. “Para você ter um êxito, você tinha que trabalhar em grupo. Não tinha essa questão do eu sei mais do que o outro. Todos aprendiam juntos. Isso vou levar comigo para o Ensino Superior. Me ajudou bastante e sei que ajuda tantos outros estudantes que sonham em ingressar na faculdade”, testemunha.
Jean participa com afinco dos projetos do Viva a Palavra, seja no cursinho popular ou nas aulas de violão que leciona para a garotada. Da mesma forma que ele, dezenas de jovens partem voluntariamente para realizar ações dentro das diretrizes propostas pelo programa.
Com ajuda da Proex da Uece, o Viva a Palavra conta hoje com nove bolsistas para se dedicar às aulas, planejamentos e encontros na Serrinha. Larissa Raquel, 26, recebe bolsa pelo curso de Pedagogia da Uece e integra a comissão pedagógica do cursinho popular.
Criada no bairro, ela conta que já ajudava nos mutirões da associação, sempre estive próxima da associação dos moradores. “Depois que passei na Uece, fiquei mais próxima ainda da comunidade e do Viva a Palavra. De início todos eram voluntários, nem sabíamos que iriamos conseguir a bolsa. Uma semana antes de fazer a capacitação para o cursinho, tivemos a notícia das bolsas”, recorda.
Larissa diz ainda que participou das oficinas de aprendizagem cooperativa e, na primeira semana que teve de ministrar oficina em sala de aula com crianças, teve a certeza no coração de que realmente iria se dedicar ao magistério. “Falei sobre os cinco elementos da aprendizagem. A gente acha que conduz e não conduz nada. Os alunos falam muito mais, sabem muita coisa e tem boas intervenções, muitas vezes melhores do que as nossas. Fiquei encantada com os alunos sendo muito massa, emotivos, sinceros. Foi quando eu vi que ia ser professora mesmo.”
Independência nas ações
Através das práticas de letramento, lideranças e organizações dentro da própria comunidade tocam oficinas independente da coordenação do programa de extensão. Com conteúdo, referências literárias, artísticas, culturais, a comunidade difunde ainda mais conhecimento e produção que transforma a realidade social.
“A própria comunidade assumiu o cursinho. Quando se faz uma reunião do grupo todo, temos comissão de gestão, comissão de comunicação, secretaria, tudo com pessoas da comunidade, alunos do cursinho, gente dos círculos populares. É uma coisa muito bacana de ver. Hoje, se nós da Uece sairmos, e sei que damos uma grande força, temos a questão dos bolsistas que atuam aqui no cursinho e ajuda da pró-reitoria, mas eu considero hoje que o cursinho tem autonomia e consegue andar sozinho independente da gente”, sorri Claudiane.
Arte pulsante na comunidade
Em cinco anos de mobilização, o Viva a Palavra se solidifica como um centro de várias manifestações artísticas, culturais, profissionalizantes. Ao público que vai de crianças até adultos, são compartilhadas aprendizagens sobre desenho, fanzine, jornalismo comunitário, criação literária, fotografia, artesanato, artes plasticas, atos cenopoéticos.
Diego Martim, 25, cresceu bebendo da rica fonte de cultura musical presente na periferia. “Sempre fui ligado nos sons, tocando violão, ouvindo rock, reggae, funk, rap, entre outros gêneros que estão dentro da comunidade. Construí minha identidade assim”, apresenta-se o rapper. Com o nome artístico MC Dieguim, ele atualmente é personagem ativo na cena fomentada por cursos do Viva a Palavra.
Diego atua como organizador e aluno do cursinho popular. E ainda ajuda na elaboração de oficinas de rima, rap e produção literária para crianças e adolescentes. “É importante introduzir a poesia, a rima, expandir o vocabulário. Por isso a gente cria saraus, batalhas de MCs, incentiva os meninos e as meninas a pensarem, escreverem. Eles curtem. Dá para ver que eles entendem tudo. As crianças são muito atentas. Com a escrita e as leituras, o ritmo escolar deles até melhora, e assim também ficam longe de coisas erradas.”