Literatura indígena, negra, feminina e cearense atravessam a curadoria da Bienal Internacional do Livro

26 de julho de 2019 - 14:08 # # # # # # #

Ascom Secult
Iago Barreto - Foto

Programação e convidados começaram a ser trabalhados ainda no começo do ano passado, sob a gerência de Ana Miranda, Carlos Vasconcelos e Inês Cardoso.

Dez dias, expectativa de mais de 400 mil visitantes distribuídos por 12 mil metros quadrados. Pelo menos 15 espaços temáticos e mais de 300 convidados – escritores, ilustradores, editores, livreiros, mediadores de leitura, distribuidores e outros profissionais do mercado editorial –, brasileiros e de outros países, envolvidos em palestras, mesas-redondas, oficinas, contação de história, lançamento de livros e bate-papos, não apenas no Centro de Eventos do Ceará, mas em vários locais de Fortaleza e até de outros municípios. Tudo em paralelo a uma feira com mais de 150 expositores, em uma programação plural e gratuita.

Os próprios números da XIII Bienal Internacional do Livro do Ceará são o primeiro indício de sua robustez e importância no calendário cultural do Estado. Mas o evento começa muito antes de sua abertura, da montagem dos estandes ou divulgação dos convidados. Ele se inicia com duas perguntas: como estamos existindo no mundo atual? De que maneira os livros e a leitura atravessam essa existência?

A partir dessa reflexão, que temas emergem para uma Bienal? Quais autores e pesquisadores podem contribuir para o debate? Esses e outros questionamentos permeiam as cabeças dos curadores, peças-chaves na elaboração do evento. Nesta 13º edição, a Bienal foi construída em um trabalho conjunto de três especialistas: a escritora cearense Ana Miranda, o escritor, produtor cultural e professor Carlos Vasconcelos e a professora Inês Cardoso.

“A curadora Ana Miranda, junto com a professora Inês Cardoso e o professor Carlos Vasconcelos, estão trabalhando junto com outros curadores dos espaços e ambientes da Bienal, desenvolvendo uma programação muito democrática, diversa e rica para a promoção do livro, leitura e literatura brasileira, mas especialmente também a cearense”, ressalta o secretário da Cultura do Estado do Ceará, Fabiano dos Santos Piúba.

Doutora Honoris Causa pela Universidade Federal do Ceará, Ana Miranda é romancista, poetisa, ilustradora de seus próprios livros e uma das principais ficcionistas brasileiras, com mais de trinta livros publicados. Seu primeiro romance, ‘Boca do Inferno’ (1989), foi vencedor do prêmio Jabuti de revelação e incluído no cânon dos cem maiores romances em língua portuguesa do século XX, publicado no jornal O Globo (5/9/98).

Recebeu duas vezes o prêmio da Academia Brasileira de Letras (‘Dias & Dias’, 2003; e ‘Musa Praguejadora’, 2014); mais duas vezes o Jabuti nas categorias romance (‘Dias & Dias’) e biografia (‘Xica da Silva, a Cinderela Negra’, 2017, segundo lugar). A lista de reconhecimentos inclui ainda o troféu Sereia de Ouro (2008), o prêmio internacional Green Prize of the Americas (pelo romance amazônico ‘Yuxin’, 2010), a comenda Ordem do Mérito Cultural, do Governo Brasileiro, a medalha Rachel de Queiroz e a medalha Bibliófilo José Mindlin, entre outras honrarias.

“Começamos a trabalhar essa programação em março do ano passado”, contabiliza Ana Miranda. “Pensamos uma Bienal de cunho indígena, uma população muito presente no Ceará, mas também de cunho negro, feminino, periférico e de várias outras proposições”, resume. Segundo ela, o tema “As Cidades e os Livros” veio de uma contribuição do secretário da cultura de Fortaleza, Fabiano Piúba. “A partir de uma experiência que ele teve na Colômbia, esboçou a ideia de que a cidade é uma escrita e também uma leitura. Uma cidade pode ser vista como um livro, e foi essa percepção que tentamos trabalhar”, explica Ana.

“Mas trata-se de uma ideia muito ampla: todas as cidades cabem em um livro e todos os livros representam todas as cidades. Isso porque o conceito que adotamos para ‘cidade’ foi o mais amplo possível, desde a grande metrópole até uma aldeia indígena, um pequeno município do Interior ou mesmo duas casas perdidas no sertão. Tudo isso podemos consideramos cidade, ela é onde moramos. E quais problemas enfrentamos em nossos lugares? O mundo está sofrendo tanto com essas migrações, é um tema universal e muito cadente nos dias de hoje. Então, a partir desse trabalho sobre o tema, desenvolvemos outros conceitos dele derivados, como as geografias pessoais”, prossegue.

E esse subtema que dá formas mais definidas ao tópico geral. São as geografias pessoas que tornam uma cidade tão múltipla quanto seu número de moradores, espaço de diferentes memórias, afetos e pertenças. “Assim, tentamos encontrar autores que em suas obras retratam questões de geografias pessoais, como Milton Hatoum, Márcio Souza, que fala sobre a Amazônia, Nicolas Behr, que fala sobre Brasília, o Cerrado, José Inácio Vieira de Melo, Marçal Aquino, que aborda as metrópoles, as favelas, as periferias. Fizemos uma busca nesse sentido”, justifica Ana Miranda.

Além do tema geral, segundo a curadora, Fabiano Piúba também foi responsável por uma forte orientação de inclusão da literatura negra e da periferia. “Essa construção, no entanto, ficou mais por conta da UNILAB. Trata-se de uma produção que está super vibrante, animadíssima, e isso foi incorporado à Bienal. O negro é a maior vítima da violência nas cidades, enquanto as periferias é onde a expressão das cidades é muito forte”, pontua Ana.

Ela destaca ainda uma preocupação pessoal dos curadores de referenciar o atual momento de vigor da literatura produzida por novas gerações de autores cearenses. “Estão surgindo escritores excelentes, desenvolvendo um trabalho que ultrapassa o alcance do Estado. Há uma inserção da literatura produzida aqui em termos nacionais. Por isso, quase 50% dos convidados da Bienal são do Ceará, e nas atividades eles têm o mesmo destaque dos autores de fora”, garante.

“Temos Mailson Furtado ganhador do Jabuti; Tércia publicando pela Cia das Letras; Socorro Acioli ganhando repercussão internacional; o destaque de Majela Colares. Toda uma geração que está lutando e conseguindo muitos resultados. Precisamos de uma política perspicaz voltada à literatura no Ceará, para que esse momento não se perca”, completa Ana Miranda.

Outra preocupação do time de curadores foi convidar um número relevante de mulheres escritoras. “Tivemos dificuldades, mas acho que, de modo geral, conseguimos. Queríamos, por exemplo, que a escritora nigeriana Chimamanda Ngozi Adichie fosse a grande estrela desta edição, mas ela não pôde vir. Elisa Lucinda, outra convidada também não. Vários convidados, após o adiamento da Bienal de abril para agosto, não puderam mais confirmar. Ainda assim, temos uma programação forte. Márcio Souza com a artesã e militante indígena Telma Pacheco; Eduardo Agualusa com Tércia. Não está faltando programação, não”, brinca, entre risos.

Ao longo de toda a fala, Ana Miranda sempre reforça a construção coletiva da Bienal. Junto com ela, trabalharam incessantemente Carlos Vasconcelos e Inês Cardoso. Doutorando em Literatura Comparada na Universidade Federal do Ceará, Carlos Vasconcelos é escritor e produtor cultural, professor substituto do curso de Letras na UECE, da Especialização em Escrita Literária, na FBUNI e de Português/ Redação/Literatura em universidades e escolas das redes públicas e privadas. Publicou ‘Mundo dos Vivos’ (contos, 2008) – vencedor dos Prêmios Osmundo Pontes de Literatura (2007) e Clóvis Rolim de Contos (2006) – e ‘Os Dias Roubados’ (romance, 2012), além de textos em mais de 20 coletâneas. Trabalhou durante dez anos no Sesc (2007-2017), como Redator, Supervisor de Literatura e Gerente de Cultura. Produziu e mediou projetos como “Bazar das Letras” e “Autores em Contexto”, além dos seminários anuais “Revelando a Literatura Cearense”.

Já Inês Cardoso é doutora em Letras (Língua Espanhola e Literaturas Espanhola e Hispano-Americana) pela Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Sociais – FFLESH, da Universidade de São Paulo – USP (2010). É professora do Departamento de Letras Estrangeiras da UFC e Diretora da Divisão de Cultura Estrangeira da Prointer – UFC. Participou como curadora e/ou coordenadora de eventos nacionais e internacionais. Coordenou, em parceria com Cleudene Aragão e Vânia Vasconcelos, o Café Clube de Leitura O Povo e coordena o Projeto de Extensão (itinerante) Leituras na Praça, premiado em 2018 pelo Instituto Pró-Livro, de São Paulo. Participou da Bienal Internacional do Livro do Ceará nos anos de 2004, 2006, 2012. Foi ganhadora do III Festival Universitário de Literatura Xerox-Livro Aberto. Publicou, em parceria com outras autoras do coletivo Quantas de nós, as coletâneas “Quantas de nós” (2010), Prêmio literário Secult, e ‘Rastros de mentiras e segredos’ (2017), além de ensaios e artigos em jornais e revistas.

O time conta ainda com a coordenadora da Bienal, Goreth Albuquerque, que deu contribuições valiosas à curadoria. “Goreth fez várias indicações em áreas às quais temos menos acesso. O espaço principal é apenas um décimo da Bienal, temos muitos outros: da periferia, UNILAB, juventude, infantil, professores, de lançamento de livros. Aproveitamos alguns nomes convidados para circular por vários deles”, esclarece.

Serviço:

XIII Bienal Internacional do Livro do Ceará
De 16 a 25 de agosto, de 10h às 22h
Centro de Eventos do Ceará.