14 anos da Lei Maria da Penha: o que a mulher cearense precisa saber sobre os mecanismos e a rede de atendimento no Estado

7 de agosto de 2020 - 09:59 # # # # #

Aline Freires - Ascom SSPDS - Texto
Ascom SSPDS - Fotos

“Eu gostaria de dizer que fui vítima de violência doméstica há 37 anos e sei bem como é difícil sair dessa situação. Mas quero inspirar todas as mulheres do meu Ceará, que foi pela minha persistência e pela coragem de lutar por 20 anos por Justiça, que hoje elas não precisam mais passar pelo que eu passei. Quando a violência acaba, a vida recomeça”. A autora da fala é Maria da Penha Maia Fernandes, uma cearense que seguiu uma trajetória em busca de justiça, que durou 19 anos e seis meses. Em 1983, ela sofreu uma dupla tentativa de feminicídio por parte do seu então companheiro enquanto dormia. Graças a sua persistência, o Brasil avançou no que tange ao enfrentamento aos crimes contra a mulher em razão do seu gênero.

A Lei Maria da Penha, que é considerada pela Organização das Nações Unidas (ONU) como a terceira melhor lei do mundo no combate aos crimes contra a mulher no âmbito doméstico e intrafamiliar, completa 14 anos nesta sexta-feira (7). É imprescindível que todos os dias, mas especialmente hoje, falemos cada vez mais sobre os seus mecanismos, para que todas as pessoas saibam e até identifiquem quando estão em uma situação que necessitem de amparo.

 

Em sua fala, Maria da Penha destaca que os tempos desafiadores em razão da pandemia do novo coronavírus (Covid-19), mas reforça a necessidade de confiar no trabalho feito pelas forças de segurança e demais instituições. Atualmente, a Capital cearense possui toda uma rede de atendimento dentro da Casa da Mulher Brasileira, que é gerida pelo Governo do Estado do Ceará. A Polícia Civil do Estado do Ceará (PCCE) se faz presente na estrutura por meio da Delegacia de Defesa da Mulher (DDM) de Fortaleza. Fora dela, as mulheres contam com o serviço do Grupo de Apoio às Vítimas de Violência (Gavv) da Polícia Militar do Ceará (PMCE), que realiza a Ronda Maria da Penha, acompanhando não só as vítimas que estão sob medida protetiva em cada território como também àquelas que aguardam a concessão da medida.

“Estamos comemorando o 14° aniversário da Lei Maria da Penha, em tempos de muitos desafios agravados pela pandemia da Covid-19. Esse é um fato que aumenta o nosso compromisso com a lei e com a sua aplicação. Mais do que nunca precisamos efetivar o bom funcionamento das políticas públicas para que a mulher possa romper o ciclo de violência e refazer a sua vida longe do medo e da opressão. Aqui no Ceará, temos a Casa da Mulher Brasileira, um equipamento extremamente importante e que tem todo o meu apoio e admiração. Conheço o envolvimento e compromisso de cada profissional que atua nessa instituição. Conheço também a Ronda Maria da Penha, que faz um importante trabalho de acompanhamento das mulheres que têm medida protetiva”, destaca Maria da Penha.

O acompanhamento imediato da vítima

Desde maio de 2020, as mulheres que buscam os serviços da Polícia Civil do Estado do Ceará (PCCE), para denunciar um crime de violência doméstica, já passam a ser acompanhadas de imediato pela Polícia Militar do Ceará (PMCE), por meio do Grupo de Apoio às Vítimas de Violência (Gavv). Anterior a essa medida, o Gavv monitorava as vítimas quando existia o deferimento das medidas protetivas pelo Poder Judiciário.

Hoje, ao registrar um Boletim de Ocorrência (BO) em uma Delegacia de Defesa da Mulher ou em qualquer unidade da Polícia Civil, ela também pode solicitar, além da medida protetiva, o acompanhamento da equipe especializada. A informação é enviada pela Polícia Civil à Polícia Militar, que inicia as visitas no intuito de acompanhar a rotina da mulher. Fortaleza, Itapipoca, Juazeiro do Norte, Maracanaú e Sobral já contam com o serviço. Neste ano, mais 11 cidades receberão o serviço da PM, são elas: Barbalha, Caucaia, Canindé, Crateús, Iguatu, Morada Nova, Pacatuba, Quixadá, Russas, Tianguá e Tauá.

“O grande diferencial do Estado do Ceará hoje em relação à Lei Maria da Penha é o fluxo que o Comando Geral da Polícia Militar do Ceará criou com a Polícia Civil, que impulsiona e estimula às mulheres a denunciarem. Uma vez que ela vai até uma delegacia, ela tem a opção de dizer se quer ser atendida de imediato pelo Gavv. Isso significa que ela não precisará mais esperar pela decisão concreta do Poder Judiciário. É importante essa divulgação, pois gera um grande estímulo às mulheres, em razão de o Estado estar assegurando e garantido a imediata intervenção na situação que está causando sofrimento a elas”, explica o assessor de Polícia Comunitária (APCom), capitão PM Messias Mendes.

Ele reforça a importância do trabalho também junto aos agressores, para evitar que novos casos de violência surjam. “Esse atendimento se estende ao agressor, fazendo cessar de imediato a situação de violência. Seja através de uma advertência, uma orientação técnica de um profissional que compõe o grupo ou mesmo fazendo uma intervenção mais dura, podendo realizar a prisão desse homem. Isso traz uma inovação e materializa o quanto o Estado do Ceará está alinhado à política de proteção integral à mulher cearense”, ressalta o oficial.

A violência não se restringe à agressão física

A delegada Rena Gomes, diretora do Departamento de Proteção aos Grupos Vulneráveis (DPGV) da Polícia Civil, que gerencia as Delegacias de Defesa da Mulher (DDM) no Estado, reforça sobre a importância de esclarecer para as mulheres, que a Lei Maria da Penha apresenta cinco tipos de violência: física, psicológica, sexual, patrimonial e moral. A informação é importante para que as vítimas entendam que o mecanismo legal prevê atenção e cuidado não somente para aquelas mulheres que sofrem agressões, mas também àquelas que são ameaçadas, caluniadas, difamadas, entre outras situações.

“Violência física é definida por aquela que deixa marcas, que deixa vestígios. É aquela quando a vítima sofre uma pancada, que provoca lesão corporal. Importante se colocar que esse tipo de violência é gradativa, então, é importante que a mulher entenda a necessidade de se denunciar logo nas primeiras situações e nas primeiras lesões. Porque nós entendemos que por ela pode se chegar a um feminicídio. Outro tipo é a violência psicológica, que é a mais denunciada nas Delegacias de Defesa da Mulher do Brasil. Ela ocorre principalmente quando a mulher tem a sua integridade psicológica atingida pelo agressor, através de ameaças e constrangimentos”, explica.

Sobre os demais tipos de violência, a diretora do DPGV explicou que muitas vezes as mulheres não entendem que estão sofrendo crimes sexuais no contexto de violência doméstica, por exemplo. Somente há esse esclarecimento quando existe o diálogo entre vítima e rede de acolhimento.

“É importante dizer que violência sexual não é só aquela praticada por terceiros. Muitas vezes, ela ocorre dentro das relações domésticas. É comum a mulher não ter consciência, que mesmo em um relacionamento estável, tem que haver o consentimento para todas as práticas sexuais. Muitas vezes ela não compreende que está sofrendo violência sexual. Depois do primeiro atendimento e da conscientização é que ela vai perceber que aquilo não é algo saudável”, disse.

Quando a vítima notícia um caso de crime sexual à delegacia especializada, a Polícia Civil adota medidas para evitar desdobramentos e consequências ainda mais graves. “É uma violência que deve ser tratada de forma diferenciada, porque todas as DDMs são capacitadas e encaminham essas vítimas ao setor de profilaxia da rede de acolhimento, para que as consequências dessa violência não se perpetuem. Por exemplo, uma anticoncepção de emergência em caso de estupros e o acompanhamento em relação às doenças sexualmente transmissíveis”, explica Rena.

A delegada citou que em muitos casos noticiados à Polícia é possível perceber que o empoderamento do gênero feminino incomoda os agressores, que são pautados por costumes machistas. “Esse tipo de situação é percebida quando há o crime patrimonial, que pode estar consubstanciada nos crimes de estelionato, de furto ou de roubo. É quando o agressor se apropria do patrimônio da mulher ou a partir do momento que ele toma o salário que foi conquistado pelo trabalho dela. Outra situação é quando o homem destrói algum bem de propriedade da vítima”, disse.

Por último, Rena falou sobre as ações que se enquadram como violência moral, que consistem no ataque à autoestima da vítima. “Bom, infelizmente a violência moral é muito comum. Ela se materializa nos crimes de difamação, injúria e calúnia. São aquelas palavras de baixo calão, as agressões verbais dentro de um relacionamento para menosprezar a autoestima da vítima e que ofendem a honra não só externa, que é o crime de difamação à honra objetiva, como também à honra subjetiva, que é a forma sobre como a vítima se vê”, finalizou.

Onde procurar ajuda

O Estado do Ceará possui dez Delegacias de Defesa da Mulher (DDM), que estão localizadas nas cidades de Fortaleza, Pacatuba, Caucaia, Maracanaú, Crato, Iguatu, Juazeiro do Norte, Icó, Sobral e Quixadá. Nas demais cidades onde não há uma unidade especializada de atendimento a vítimas de violência doméstica, a população pode comparecer às delegacias municipais, metropolitanas e regionais para registrar os crimes, que serão apurados pelos investigadores das unidades da Polícia Civil em todo o Estado.

Delegacias de Defesa da Mulher no Ceará

Desde o mês de março deste ano, a Polícia Civil ampliou a abrangência de alguns crimes que podem ser registrados na Delegacia Eletrônica (Deletron). Agora, seis das 18 tipificações penais disponíveis no meio eletrônico podem ser registradas no âmbito da violência doméstica e familiar. São eles: os crimes de ameaça, violação de domicílio, calúnia, difamação, injúria e dano. Os crimes do Código Penal no contexto de violência doméstica e familiar estão amparados pela Lei Maria da Penha (Lei nº 11.340/2006).

Delegacia Eletrônica

Em caso de emergência, o contato deve ser feito por meio do telefone 190 da Coordenadoria Integrada de Operações de Segurança (Ciops) da Secretaria da Segurança Pública e Defesa Social (SSPDS). Outro canal de denúncias é 180, da Central de Atendimento à Mulher em Situação de Violência do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humano.