Especialista esclarece mitos e estigmas do HIV
29 de janeiro de 2020 - 15:58 #aids #Cuidados #epidemia #mito
Diana Vasconcelos - Ascom HSJ
O ano de 1984 foi marcado pelo início da epidemia de Aids no Brasil. Muito se especulou sobre o que era a doença e como acontecia a transmissão. Apesar dos avanços em pesquisas, tratamento e acesso à informações, circulam ainda muitas mentiras acerca da doença.
Atuando há mais de 28 anos na assistência aos pacientes soropositivos, o médico infectologista do Hospital São José de Doenças Infecciosas, do Governo do Ceará, Érico Arruda, fala sobre sobre alguns “mitos” envolvendo a doença. O especialista, revelou ainda uma preocupação: as gerações mais novas estão se descuidando.
– Para começar, como age o vírus HIV?
Érico Arruda – O vírus HIV é um micro-organismo que, ao entrar no organismo do ser humano, promove a diminuição das defesas. Isso porque ele tem uma predileção por se multiplicar em algumas células que são apropriadas para organizar a defesa do organismo. Dentro dessas células, o vírus as desorganiza e o organismo da pessoa infectada enfraquece progressivamente, fazendo com que ela adoeça de situações que não adoeceriam se não estivessem com suas defesas comprometidas. Nesse ponto ele já desenvolveu a Aids, ou seja, ele tem a infecção e a redução da defesa.
– O vírus pode ser transmitido pelo compartilhamento de itens como roupas e talheres?
EA – Mito. O HIV é transmitido pela relação sexual, por transfusão sanguínea, pelo compartilhamento de seringas (contaminadas), durante a amamentação e durante o parto. Mas a principal forma de transmissão do vírus da Aids, responsável por 90% dos casos do mundo inteiro, é a relação sexual. Talheres, copos, vaso sanitário, roupas, nada disso transmite, nem mesmo o beijo.
– A camisinha é a única forma de prevenção ao HIV?
EA – Mito. A camisinha não é a única forma de prevenção, mas é mais importante. (…) Existem outras maneiras de reduzir a transmissão do vírus, por exemplo, ter um único parceiro sexual, e nenhum deles estar infectado. É possível também testar todas as mulheres grávidas, assim você pode identificar aquela que tem o vírus e adotar um pacote de medidas que vai reduzir a chance de transmissão para a criança. Outra possibilidade é o uso do PEP e do PrEP, trata-se dos medicamentos usados para tratar as pessoas com HIV, eles também são uteis para prevenir a infecção. (…) Claro que teve outras medidas que ajudaram a reduzir a transmissão, como o teste em doadores de sangue que, se confirmado diagnostico, o sangue é desprezado. Mas a camisinha é a principal das medidas de prevenção e, infelizmente, de uns anos pra cá a utilização dela vem diminuindo. A população mais jovem tem se descuidado diminuindo o uso de preservativos no Brasil e no mundo.
– Mesmo contaminado, o exame só revelará o vírus após algum tempo.
EA – Verdade. Isso é o que chamamos de janela sorológica. O tempo entre a exposição e infecção, e o tempo em que o exame se torna positivo que é decorrente da capacidade do organismo de montar uma resposta imunológica e produzir anticorpos detectáveis no teste. Esse tempo tem se estreitado. Antes tínhamos até três meses de janela sorológica, agora é de 22 dias. Os testes atuais são muito mais sensíveis a ponto de poder detectar mais precocemente a infecção.
O ideal é fazer o teste 22 dias depois da relação de risco. Mas, se tiver consciência da relação de risco rapidamente, é possível fazer a profilaxia, ela tem mostrado efetividade até 72h após a exposição. Claro que, quanto mais precoce o seu início, maior a chance de efetividade. Recomenda-se a utilização dentro das primeiras 2h.
– Existe alguma forma de HIV considerada indetectável?
EA – Verdade. São os falsos negativos. Assim chamamos as pessoas que tem o HIV, mas o exame não detecta. Mas estas situações têm sido menos frequentes, a medida em que a tecnologia da construção do teste vai melhorando, vem se tornando cada vez mais sensível, detectando 99,8% das infecções. São situações muito excepcionais em que isso pode ocorrer.
– Alguém com HIV sempre transmite o vírus em uma relação sexual, ou não?
EA – Mito. Pode haver sim relação sem transmissão. O HIV não tem uma transmissibilidade muito acentuada. Mas, infelizmente, as pessoas se expõe com muita frequência e ainda há muitos casos de pessoas infectadas em uma única relação sexual com seu parceiro. Então, a despeito da quantidade de exposições, é preciso se prevenir sempre.
– A pessoa que tem HIV é obrigada a contar sobre a doença ao parceiro ou parceira?
EA – Esse é um contexto muito complexo. Não existe nenhuma legislação que obrigue as pessoas a informarem seus familiares ou parceiros da sua condição de saúde. Contudo, do ponto de vista ético médico, uma vez que alguém tenha o diagnóstico, pelo risco que há para sua parceria, ele é incentivado a revelar o diagnóstico. Inclusive, o médico pode interferir conforme código de ética, que diz que o sigilo deve ser quebrado em raras situações e uma delas é haver riscos para terceiros.
– É possível contrair HIV na manicure ou fazendo tatuagem?
EA – Verdade. Já aconteceu, mas a chance é muito pequena. O vírus HIV não resiste a temperatura ambiente, morre rapidamente fora das células sanguíneas humanas. Contudo, alguns casos ocorreram, em que, por exemplo, uma pessoa utilizou um alicate de unha, se feriu, e em seguida alguém usou o utensílio. Hoje se tem mais controle, produtos esterilizados, descartáveis. O que se recomenda e, isso tem mais impacto para as hepatites, é que cada pessoa tenha seu próprio utensílio. No caso da tatuagem, o cuidado é com as agulhas.
– É possível ter filhos tendo HIV?
EA – Sim. Mas é uma outra situação complexa. As pessoas infectadas podem ter filhos e, a depender de como está estabelecida a infecção na parceria, se é do homem, se é da mulher, ou de ambos. Dependendo de como está, terá um desenho diferente na abordagem. Algumas situações vão pedir um maior suporte tecnológico, como a fertilização em vitro, outros serão mais simples.