Ceará discute modelo de gestão com especialista português

8 de maio de 2019 - 11:24 # #

Ascom Sesa

O médico de família, André Biscaia, veio ao Ceará para discutir uma parceria Ceará-Portugal no fortalecimento do modelo de gestão local da Saúde. Ao longo dos dias de ontem (7) e hoje (8), o médico explana sobre como se dá a contratualização de serviços de saúde e sobre como funciona o sistema de saúde em Portugal. Médico da família há cerca de 25 anos, ele trabalha em Cascais (a cerca de 30 km de Lisboa) e realiza capacitação com gestores e coordenadores da Sesa e das Coordenadorias Regionais de Saúde (Cres).

“Em Portugal desde há muito tempo que assumimos que os cuidados em saúde primária, atenção primária como se chama aqui, são cuidados essenciais. E por serem cuidados essenciais têm de estar disponíveis para a população”, explicou Biscaia. “Tentamos organizar todo o sistema para conseguir que esse direito aos cuidados de saúde – que em Portugal é um direito que está inscrito na Constituição, o direito à saúde – fosse capaz de chegar a toda gente e todo território”, disse o médico. Ele relembra que esse processo todo começou nos anos 1970 ainda antes da revolução de 25 de abril de 1974, conhecida como Revolução dos Cravos. A data marcou a redemocratização do país após 48 anos de ditadura.

“Conseguimos em 1990 um dos grandes objetivos que era tornar o Serviço Nacional de Saúde em um Sistema Universal, assim como a cobertura de toda a população e de todo o país. Temos tido desde então várias reformas. A última das quais foi em 2005, o que tornou o sistema ainda mais apto para responder às necessidades da população. E temos tido agora nos últimos anos resultados muito bons, nomeadamente na área da vacinação”, ressaltou Biscaia.

O médico português destaca que a relação de confiança tem sido fundamental para os índices alcançados por Portugal em relação à saúde, que tem uma das menores taxas de hospitalização evitável na união europeia. Segundo Biscaia, na atenção primária em Portugal, o médico de família e o enfermeiro de família são profissionais que quase fazem parte das famílias das pessoas.

“Nós estamos na vida e no cotidiano das pessoas porque temos uma relação muitas vezes de 20 anos, que ultrapassam gerações, que tratam todos os elementos da família em todas as fases da vida. Nós seguimos as gravidezes, seguimos as doenças crônicas nas pessoas adultas, fazemos cuidados terminais e portanto temos essa relação ao longo da vida e ao longo das gerações, nas várias famílias. O que nos coloca realmente nesta posição muito apta para tratar da saúde e de todos os cuidados de saúde da maior parte da população”, disse Biscaia. Após a apresentação para gestores da Sesa, o médico concedeu entrevista sobre o tema.

 

Sesa: O vínculo entre os profissionais de saúde e a população é um dos segredos dos resultados positivos da saúde em Portugal?

André Biscaia: Sim. Sem dúvidas. As pessoas inscrevem-se em um “Médico de Família” e essa relação pode durar o resto da vida das pessoas e do médico. Se assim as duas partes o quiserem. E as pessoas também têm uma inscrição por família. Ou seja, quando se inscreve o pai, inscreve-se também a mãe e os filhos, muitas vezes os avós. E portanto, há uma relação muito próxima quanto mais elementos da família e ao longo de toda a vida.

Sesa: A confiança, então, é a base dessa relação?

André Biscaia: Isso gera a confiança que é necessária. Há muitos problemas de saúde em que uma relação de proximidade leva que as pessoas confiem no conselho do médico, no conselho do enfermeiro. Às vezes, por exemplo, pode-se esperar um dia ou dois antes de dar um antibiótico. Em vez de gerar urgência, conseguir uma consulta no Centro de Saúde. E tudo isso tem, pois, muito valor e representa muitos custos que se conseguem evitar para o sistema.

Sesa: Hoje se vive um momento de muita informação e até de desinformação que se compartilha na internet, nas redes sociais. Como essa confiança pode ser uma reposta a
essa desinformação que circula e pode prejudicar a saúde?

André Biscaia: Essa é uma realidade que penso que já acontece em todos os países. E o que nós temos feito em Portugal é dar fontes de informação que sejam credíveis. Ao nível do Estado, há uma série de instituições que se ocupam de estruturar a informação. Informação que seja e que está correta e depois distribui-la em sites de internet que são de acesso público. Mas as pessoas não têm acesso apenas a esse tipo de informação, por exemplo, como o que é febre? Como tratar uma infecção urinária. Têm também acesso a dados dos próprios profissionais e das próprias instituições. E são dados que são públicos. O que também dá confiança, porque dá transparência. E portanto ao dar essa transparência, vem essa relação ao longo do tempo que gera essa confiança que é um aspecto essencial em todos os cuidados em saúde.