As diferenças entre orgânicos e em transição agroecológica
21 de maio de 2019 - 16:24 #agroecologia #Alimentação saudável #organicos #SDA
André Gurjão/Ascom SDA Texto e fotos
Nos últimos quinze anos, o consumidor brasileiro vem sendo bombardeado com variadas informações sobre o que é e como manter uma alimentação saudável. As definições são as mais variadas possíveis: desde a prática do veganismo, que exclui do consumo produtos de origem animal criados por meio de exploração ou crueldade, até o consumo de alimentos de olho nas organizações sociais. Embora o debate tenha pelo menos 70 anos na esteira, vale o questionamento: qual a diferença entre os produtos orgânicos e os agroecológicos?
Em comum, orgânicos e agroecológicos carregam o princípio de não utilizarem defensivos agrícolas na lavoura, apontados pela comunidade científica como um risco à saúde pública. Neste ínterim, o Brasil caminha para o oitavo ano consecutivo na liderança do uso deste tipo de produto em quantidade bruta e é o sétimo colocado como país que mais utiliza agroquímicos por hectare no mundo. A utilização dos pesticidas cresceu 190%, divulga o Instituto Nacional do Câncer (Inca), e agrotóxicos proibidos pela União Europeia e Estados Unidos são comercializados aqui.
Na contramão do cenário nacional, o Governo do Ceará proibiu a pulverização de agrotóxicos por meio de aeronaves (Lei Nº 16.820/19). A lei “Zé Maria do Tomé”, trabalhador rural assassinado na zona rural de Limoeiro do Norte, prevê multa de quase R$ 65 mil a quem incorrer à prática. “A lei é um avanço no sentido de reconhecer as lutas do campo e, também, uma vitória das pesquisas científicas, que comprovaram a contaminação d´água e os danos à saúde dos trabalhadores”, frisa De Assis Diniz, secretário do Desenvolvimento Agrário.
Dentre os sintomas de intoxicação causados por agrotóxicos estão: cefaleia, irritação cutânea e de mucosas, náuseas, vômitos, arritmia cardíaca, insuficiência respiratória, convulsões, choque, coma e podendo evoluir para o óbito. O nível de intoxicação varia conforme a dose, a toxidade do produto, o tempo de exposição e a demora no atendimento médico. A pulverização dos defensivos agrícolas nas modalidades costal, quando o agricultor pulveriza o produto diretamente na planta ou no solo, e por tratores não foi afetada pela nova lei estadual.
A próxima fronteira agrícola
Com uma área cultivada beirando os 70 milhões de hectares, 3 milhões de agricultores envolvidos e barreiras em relação aos transgênicos e aos alimentos com resíduos de agrotóxicos, os orgânicos se tornaram a próxima fronteira agrícola a ser vencida em escala global. O mercado movimenta anualmente U$S 97 bilhões, de acordo com a Federação Internacional dos Movimentos da Agricultura Orgânica (Ifoam), e registra um crescimento anual de 15%. Ainda assim, o mercado dos orgânicos ainda é inacessível em relação ao custo do consumo e é questionável a capacidade de produção em larga escala.
O Brasil, apontado como líder do mercado de orgânicos da América Latina, registrou um crescimento de 20% e faturou R$ 4 bilhões em 2018. Contudo, quando se leva em consideração a extensão de terra, o país fica em terceiro lugar na região, atrás de Argentina e Uruguai, e em 12º no mundo. O continente responde por uma produção em 8 milhões de hectares, enquanto a área destinada aos orgânicos no Brasil cresceu 204 mil hectares nos últimos 10 anos e atingiu a marca de 1,1 milhão de hectares. O Ceará dispõe de uma contribuição discreta, são: 903 produtores envolvidos com a produção orgânica.
Segundo o Conselho Brasileiro da Produção Orgânica e Sustentável (Organis), 15% dos brasileiros relatam já terem consumido produtos orgânicos – embora apenas 9% dos que pertencem às classes de menor poder aquisitivo e 8% dos que possuem ensino fundamental incompleto tendem a consumir orgânicos. “Como é uma atividade com enormes vantagens, você começa a esbarrar em outros gargalos: o principal é a questão do preço”, justifica Adriano Custódio, secretário executivo da Comissão de Produção de Orgânicos no Estado do Ceará (CPOrg/CE), para quem uma oferta maior pode derrubar o valor agregado dos produtos.
Outros dados relevantes da Organis: pouco mais de 45% dos consumidores lembram ter visto o selo orgânico e apenas 8% utilizaram o selo como verificador de conformidade e credibilidade. A entidade setorial contratada pelo Mapa para desenvolver estudos na área aponta ainda que as verduras lideram entre os alimentos orgânicos mais consumidos, com destaque para alface, rúcula e brócolis. Em seguida, os consumidores também preferem opções orgânicas de legumes, frutas e cereais. Mais de 60% compram os produtos orgânicos em supermercados, 26% preferem ir às feiras, 4% buscam em lojas de produtos naturais e 3% compram diretamente do produtor rural.
Tornando-se orgânico
São três as formas de reconhecimento da certificação orgânica no Brasil. A primeira é pelo Sistema Participativo de Garantia – Organização de Controle Social (SPG/OCS) junto ao ministério. No caso, a demanda é encaminhada por meio das comissões de Produção de Orgânico (CPOrg) e o registro é declaratório, sendo obrigatório a apresentação da Declaração de Aptidão ao Pronaf (DAP). A venda é diretamente ao consumidor, ou na modalidade compra governamental, e o controle é realizado pelos próprios produtores. Não há impressão do selo Orgânico Brasil.
“Quando o agricultor recebe uma certificação participativa, ele indica quais produtos são cultivados de forma orgânica e, a partir das feiras locais, realiza um contato transparente para que o consumidor confie nele”, esclarece Sidônio Fragoso, representante da Ematerce. “No caso de denúncia de compra, ou uso do agrotóxico, em qualquer uma das culturas da unidade produtiva, o produtor tem a certificação suspensa e está fora da feira. Se sou orgânico, preciso ser de cabo a rabo: mesmo que a utilização seja numa área isolada da propriedade. O que pesa é a credibilidade do grupo, basta um pular fora para todos serem atingidos”.
O próximo nível é ainda um Sistema Participativo de Garantia. O Organismo Participativo de Avaliação da Conformidade (OPACs) é conhecido pela organização de agricultores familiar, com DAP, em torno de uma cooperativa que contrata um técnico para acompanha-los. Nesse caso, o grupo é autorizado a realizar a venda para supermercados e pode optar pelo envio do produto para o mercado internacional, caso haja reconhecimento de equivalência da norma. Em caso de fraude, o agricultor que não corrigir a falha é excluído da cooperativa e o certificado de produção orgânica pode vir a ser cancelado.
Há ainda um terceiro tipo: a de Certificação por Auditoria. No caso, uma Certificadora reconhecida pelo Ministério da Agricultura é contratada por uma empresa agrícola para fazer a avaliação, orientação e certificação da produção. Além disso, a instituição realiza visitas periódicas, em média a cada seis meses, quando são coletadas amostras de produtos para realização de análises laboratoriais que assegurem a ausência de resíduos de agrotóxicos na produção. O responsável pelo selo orgânico é a própria entidade certificadora.
“Sob a ótica da legislação, agroecológico, natural, biodinâmico, ecológico e permacultura são entendidos pela lei como orgânicos. Na prática, há uma discussão que considera que produtos orgânicos são certificados e que o que não é certificado é agroecológico. Isso vem de um grande empate na elaboração da legislação, quando alguns defendiam não haver necessidade da certificação, visto que a base da relação entre produtor e consumidor era a confiança. Prevaleceu a lógica da certificação, criando-se a possibilidade da venda direta sem certificação, feita via OCS”, expõe Adriano Custódio, secretário executivo da CPOrg no Estado do Ceará.
Afinal, agroecológico ou orgânico?
“O agroecológico envolve o orgânico, embora o orgânico não caiba em sua totalidade dentro do conceito de agroecológico. Não existe um antagonismo no sentido do princípio de manejo, sendo que ambos abominam a utilização de agrotóxicos e a realização das queimadas, embora haja uma divergência no olhar sobre a produtividade e sobre a lógica de mercado”, contrapõe Cristina Nascimento, coordenadora do Centro de Estudos do Trabalho e Assessoria ao Trabalhador (Cetra).
Para a coordenadora da instituição que presta apoio e assessoria às organizações de trabalhadores e trabalhadoras rurais, outras prioridades da agroecologia são “a preservação dos saberes locais e do modo de vida camponesa” e “a valorização da trajetória, do planejamento familiar e da segurança alimentar”. “Por exemplo, você pode ter um monocultivo orgânico, enquanto no sistema agroecológico se busca uma maior diversidade produtiva e o equilíbrio ecológico”, acrescenta sobre a transição realizada por produtores rurais em direção à agroecologia.
Atualmente, a organização da sociedade civil promove as Feiras Agroecológicas e Solidárias na intenção de divulgar a produção dos agricultores familiar. Os eventos são promovidos em quatro municípios do interior cearense e ocorrem sempre na primeira sexta de cada mês na sede do Cetra, em Fortaleza. “São produtos como goma fresca, cheiro verde, galinha caipira, mel, doces de frutas, bolos, frutas, legumes e verduras. O grande incentivo é o consumidor poder conhecer quem produz o alimento e levar o produto a um preço mais em conta do que é ofertado pelas redes de supermercado”, divulga.
Um futuro incerto
Mesmo com um cenário promissor, algumas instituições ligadas à produção de orgânicos e agroecológicos demonstram preocupação. O medo tem haver com a publicação do Decreto Presidencial Nº 9.759/19. A norma “extingue e estabelece diretrizes, regras e limitações para colegiados da administração pública federal direta, autárquica e fundacional” (art. 1º) e delimita a data de 28 de junho para que a Casa Civil da Presidência da República se pronuncie sobre a permanência, ou não, das 24 CPOrgs em todo País (art. 5º).
Atualmente, reconhece Adriano Custódio, as CPOrgs acumulam funções contraditórias de fiscalizar e fomentar a atividade em território cearense. “O fim das Comissões impacta significativamente a atividade, na medida em que impede o surgimento de novas demandas e atrasa o desenvolvimento de novas ações em favor da agricultura orgânica”, pontua sobre a mudança. Caso a Casa Civil não se pronuncie sobre a permanência do colegiado paritário que reúne 34 membros da iniciativa privada e do poder público, as funções devem ser incorporadas por órgãos do governo federal.
O decreto presidencial também atinge outros mecanismos de participação popular e pretende reduzir de 700 para em torno de 50 o número de conselhos previstos pela Política Nacional de Participação Social (PNPS) e pelo Sistema Nacional de Participação Social (SNPS). “A mobilização em torno da manutenção das Comissões tem se dado num movimento nacional, demonstrando a importância do colegiado para a atividade. Durante a Semana do Alimento Orgânico, que se realizará em todo o território nacional, na semana que vem serão empreendidos novos esforços, por intermédio de ações de mobilização”.